BlogsConvergência

Quem me dera ser inútil

Ando com a pulga morta atrás da orelha. Tenho olhado as pessoas ao redor e me perguntado até onde vai o sentimento delas por mim. Tem a ver com a crise da meia idade, mas pode ser um pouco mais que isso. Vamos juntos!

Sou um homem útil desde meus dezenove anos. Trabalho, faço coisas de casa, proporciono prazer, algum estresse engajador, crio filhos, estudo, escrevo e vai ao infinito. Todas as pessoas que passaram por minha vida, passaram por algum motivo útil, fosse romântico, diletante, profissional. Os relacionamentos românticos eram parques de diversões dos hormônios. Depois do calorzinho, acabavam. Um durou mais, pois virou compromisso. Casa, filhos, contas e alguma fruição nos finais de semana. Perfeitos funcionários do amor.

Por mais absurdo que pareça, já barganhei uma quase inutilidade em casa. A proposta era eu cuidar dos afazeres domésticos e largar os empregos. Perderia grande parte da utilidade no capital e viveria “bucolicamente” no quinto andar de um condomínio popular. Mas não colou. A pecha de vagabundo caiu certinha e, pelo que entendi, não sou amado além do que é externo a mim.

Entenda:  inútil é a pessoa que tem o valor em si, não precisando acumular habilidades ou funções para ser bem quisto por outros. O útil é aquele em prontidão para tudo, agregando valor externamente. O mecânico é útil por consertar carros. O professor, por explicar conceitos e matérias. Nenhuma dessas pessoas é vista, sentida ou percebida, em algum nível, para além do que fazem. E tem os super úteis, pessoas que “fazem tudo em casa”, geralmente uma exigência para os machos da espécie.

Há quem diga que somente a mulher tem sido amada por ser quem é ao longo dos tempos. O homem, geralmente, precisa trazer habilidades compensadoras. Mas antes que pareça machismo, deixo a provocação para você se virar com a reflexão.

Adultos muito ocupados costumam brincar com a frase “largo tudo e viro hippie” como se fosse uma opção real. Eu até tenho uma amiga que fez isso e vive num lance meio Juma hoje em dia. Mas é para poucos, pois são ratos os casso dos que se inutilizam e, inutilizando-se, provocam a permanência de seus afetos. O que se sabe é o abandono dos poucos úteis, seja em manicômios ou sibérias emocionais. Quem teria coragem de tentar? Bem tentei, mas foi só um argumento em tom de piada. Meu destino está selado no utilitarismo.

Se pensarmos só um pouco, depois de entender a diferença entre útil e inútil na abordagem deste texto, já não me parece tão absurdo a juventude atual lutar para encher os bolsos na internet. Diz pra mim quem é o atacado de Síndrome de Estocolmo que sonha trabalhar quarenta e quatro horas semanais, não receber o suficiente para realizar seus sonhos, ter pouquíssimo tempo para a amar e, todo domingo, lutar contra a sensação de alegria que dura até às dezoito horas, quando a percepção do “tudo de novo” bate pesada?

E o pior: no momento de aproveitar vida na aposentadoria, a sociedade e o Estado vão abandonar você? Por todos os deuses, quem quer isso?

O paradoxo doido é ler um texto sobre tentativas de se tornar inútil (ou possibilidades de), sendo este mesmo texto útil para reforçar o senso crítico. Quem escreveu isso não sabe bem o que está fazendo. E é preocupante e irresponsável desalojar as pessoas sem ter onde recoloca-las. Ele precisa apresentar uma solução.

Solução? A solução é dolorosa, cara pessoa. Deve-se reduzir os afetos ou não lhes dar o poder de decidir sua vida. Ou deve-se encontrar alguém que o aceite inútil, se assim desejas. No meu caso, me tornei um útil produzindo inutilismos – poesias, músicas, crônicas, romances e vídeos aleatórios na internet – que parecem ter uma função na vida dos poucos que leem. E o que posso fazer é dormir as horas que me permitem. Se vai cair, então deita.

Coisa boa é chegar nesse ponto. Estamos todos perdidos. Nos abracemos, pois o abraço é a única coisa útil nesse mundo de perfilizações comerciais.

A Ayn Rand parece ter vencido.

E Bartleby ri de nós no fim da escada.

Rody Cáceres

Professor e Escritor dos livros: “A Barata Pacifista” e “O Curandeiro“.

Siga no Instagram: @rodycaceresescritor

Foto: Pixabay

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.