Marcas
Fabiana tinha dez anos quando foi marcada pela primeira vez. Ela tinha perguntado à mãe se podia lutar capoeira, e a resposta foi:
– Luta é para homens.
A sétima cicatriz veio no ensino médio. Dessa vez, a autora foi outra garota, e a marca tinha o formato de lábios. A oitava foi no mesmo dia, quando um grupo encontrou Fabiana e a outra colega, aos beijos, no banheiro. Zombaram das meninas, chamando-as de nomes sujos.
A décima quinta veio como consequência das anteriores, mais físicas do que as outras e com o propósito de cessar a dor das antigas.
A trigésima aconteceu dois anos após o casamento. O marido de Fabiana ficou desconfiado que a esposa estivesse “olhando” para outro rapaz durante o carnaval. No caminho para casa, cada pedra que ele jogou atingiu o psicológico de Fabiana duramente.
Uma vez dentro das quatro paredes, as pedras não eram mais metáforas.
Com quarenta anos, Fabiana é uma mulher amargurada. Todo o seu ser é negligenciado, retraído e coberto por cicatrizes visíveis e invisíveis que ninguém além dela sabe o significado, ou a causa.
Hoje, Fabiana tem uma filha de dez anos que, ao contrário de si, tem o corpo imaculado.
Tinha.
– Me convidaram para entrar no time de futebol feminino, posso?
Fabiana, que não era mais quem costumava ser antes da nona cicatriz, usou a mesma lâmina afiada com que lhe abriram a primeira ferida, agora na filha.
Marcada pela primeira vez.
– Futebol não é para mocinhas.
Autora: Ingrid Contreira – Inspira
Foto: Pixabay