BlogsConvergência

Você vai se permitir chorar

Você vai avisar às pessoas de sua vida sobre isso. Vai ser sutil e se valerá de uma fala calma e realista, sem demonstrar as intenções e os sentimentos. Se retirará para um lugar calmo e solitário, acomodando-se em uma posição confortável, pode ser sentada, deitada, em pé, de joelhos… como quiser. Seu único instrumento, a memória, vai voltar para tempos de vida, de alegrias, de calma, e trará a pessoa amada até você, aquela pessoa que não está mais em nosso mundo e dorme o sono eterno. Então, você se permitirá chorar e sentir saudade, abraçando em pensamento a pessoa querida. Esse tempo deve ser somente seu.

O dia a dia esmaga a memória. Presos em uma narrativa de produção de riqueza que nega os afetos, o rememorar sadio das pessoas que partiram é deixado para picos quase insuportáveis de sentimentos, e quando nos damos conta, estamos de coração partido perambulando pelos afazeres e obrigações.

Por conta dessa dificuldade da vida comum de nos permitir sentir profundamente, comecei o texto com um tipo de roteiro dos sentimentos. Assim como nos dedicamos a exercícios, estudos, trabalho, séries e filmes, podemos nos dedicar ao sentir. Não sabemos como. Alguns são mais abertos e se permitem o derramamento em qualquer situação. A maioria de nós, pragmatizados, mal tem horário para cortar as unhas, quanto mais para lembrar com qualidade de nossos amores passados. Enquanto vivos, a memória os trará de volta. E lidar com isso é quase uma condição de vida. Quem sou eu para dizer como alguém deve sentir. Mas me ajuda, por isso compartilho o método.

Executo o procedimento acima quando tenho uma saudade de minha avó, a pessoa mais linda que já conheci. Sazonalmente, sou obrigado a tomar um tempo com minha saudade. Ouço umas baladas dos Hansons, muito em voga quando a perdi, fico bem quietinho em meu canto e dou uma chorada. Chorar, pra mim, é meio difícil. Tenho vergonha. Mas conjugo com as memórias da minha velhinha cozinhando, me protegendo das intempéries da vida, cuidando de todos nós com amor só possível a avós e avôs, e viro uma criança. Pensar nela me cura do mundo, me ajuda a valorizar tudo que conquistei no âmbito dos afetos, me salva de mim mesmo.

Pode ser isso lhe faltando hoje – um momento de saudade. Não podemos trazer de volta as pessoas que se foram, mas podemos reviver bons momentos, derramando a saudade em um pranto intenso e curativo. Se depois de muito tempo você ainda não chorou seus afetos, provavelmente será intensa a primeira vez. Não se assuste. Faz parte da vida sentir com força. Nós que nos negamos um sentir de qualidade, já que estamos convencidos de que só a felicidade descompensada é aprovável. Alguma tristeza também nos ajuda. O melhor é sabermos quais tristezas vamos escolher para completar o mosaico do ser profundo.

Tome seu pranto. É seu. Tanto quanto as últimas risadas.

Rody Cáceres

Professor e Escritor dos livros: “A Barata Pacifista” e “O Curandeiro“.

Siga no Instagram: @rodycaceresescritor

Foto: Pixabay

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.