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Não seja

Comecei a entender minha loucura antes de um ensaio com uma antiga banda. Afirmei que traria novos Punk rocks compostos por mim no próximo ensaio, mas cheguei com dois sons de Heavy Metal. Ninguém entendeu. Só fazia sentido na minha cabeça. Deveria ter uns dezoito anos. Nas próximas décadas, pessoas próximas testemunhariam (e se enfureceriam) com meu jeitinho metamorfose ambulante de virar cento e oitenta graus da noite para o dia. Inclusive, já fui de conservador, liberal, anarquista, anarco cristão, comunista… e vai.

Mas não apenas na política, na Cultura eu também flutuei. Marvete, DCnauta, Punk, Metaleiro, Rasta, Testemunha de Jeová, evangélico… sim, posso ser volúvel. No meu caso, o ponto é: sucumbi à curiosidade ilimitada de meu cérebro e flutuei livremente por tudo que me foi oferecido. Safadinho, não? O importante era a orgia de sinapses na cabeça.

No final, entendi meu lance: eu não sou. Amigos filósofos, acalmem-se. Falo da essência depois da existência. Nunca fico o pé em uma ideia, em um projeto, e nunca me apego a dogmas por mais de um ano. Em contrapartida, em meu período de permanência dou o melhor naquilo que me proponho, leio tudo, descubro tudo. E as pessoas a meu redor ficam pasmas quando vou embora.

Mesmo bombardeada por um infinito de propaganda, a gente pode fincar o pé no chão do “não ser”. É possível experienciar a vida flutuando nas ideias sem definir uma para todo seu período de consciência. Fora as determinações religiosas e os apegos a normas familiares (sempre passíveis de questionamentos), não há motivos para ficar para sempre (70 ou 80 anos) presos a um modelo de pensamento, religião, sexualidade. Dar mergulhos curtos em tudo que está ao alcance pode tornar seu último momento na Terra bastante satisfatório. “Confesso que vivi”, dirás, como Neruda.

Conheço pessoas que se vangloriam de ir à igreja aos domingos há mais de vinte anos. Nada contra. Também conheço outras filiadas ao mesmo partido desde a adolescência. Como pode? E mais algumas que permanecem na mesma profissão desde o início de sua vida profissional. Quanta coisa deixou de experimentar! Talvez a vida esteja acabando e o último lampejo de memória contará uma história de repetições e tédio. Cada um na sua. Mas puxa vida!

Por óbvio temos os impedimentos econômicos. As pessoas permanecem nas funções por subsistência. Na fé, o medo da punição divina impede de ajoelhar na missa, cantar no culto, girar no terreiro e meditar de perninha cruzada. Até na música segmentações ideológicas e de mercado bloqueiam a apreciação de um Pagode e um Metal na mesma playlist. Falo por experiência.

Mais do que o nascimento do sol é certa a vontade de mudar. Eu sei. Sou humano. Apesar dos muros altos do sistema, a vontade é impetuosa. E também convincente e aceitável é o medo de fazer coisas diferentes e receber julgamentos, impedimentos, alienações da sociedade ao redor, sempre pronta para avaliar o próximo a partir dos limites de sua perspectiva. Dizem por aí: só pode me julgar quem paga minhas contas. E a Constituição, claro. É um processo doloroso livrar-se das amarras. Mas não precisa virar um fora da lei para ser um experimentalista.

Você pode começar fazendo um caminho diferente pra casa, ouvir aquela música que sempre detestou, conhecer o próprio corpo sem vergonhas, atentar a ideias de outras linhas de pensamentos… o que lhe impede? Assim que uma lufada de novidades arejar seus neurônios entediados, você nunca mais vai querer se prender a qualquer oferta definitiva de qualquer coisa.

Aprenda a não ser. Opte pela curiosidade livre e escolha o melhor a partir de seu falho, mas legítimo, senso crítico. Tem vezes que é difícil, pois grupos de convictos aparecerão para confrontar sua flutuação o cercarão de tal forma que terminará pendendo para um lado. Quando só, tudo que é novo voltará a ter o mesmo valor: estimular seu cérebro a criar novas sinapses de prazer infinito.

De boas, vá lá e não seja. Ou seja o que quiser. O mundo é tri grande e você está perdendo tempo.

Rody Cáceres

Professor e Escritor dos livros: “A Barata Pacifista” e “O Curandeiro“.

Siga no Instagram: @rodycaceresescritor

Foto: Pixabay

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