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Na estreia do Palácio Aberto, governador e jornalistas discutem o papel da democracia desde a Legalidade até os dias atuais

O projeto Palácio Aberto foi realizado em formato de programa de televisão no Salão Negrinho do Pastoreio

O centenário Palácio Piratini abriu as portas nesta sexta-feira (3/9) para discutir um tema atual: A Luta pela Democracia. Foi a estreia do projeto Palácio Aberto, em que o governo do Estado pretende debater temas relevantes da sociedade. A primeira edição, com a participação do governador Eduardo Leite, também integra as comemorações dos 60 anos da Campanha da Legalidade.

Para isso, contou com a participação de cinco debatedores, jornalistas que participaram da cobertura da campanha sobre a Legalidade e profissionais com experiência na análise da política contemporânea, estabelecendo conexões entre o momento político atual, o papel da imprensa, dos governantes e da sociedade para o fortalecimento da democracia.

“Nós, jornalistas e profissionais de comunicação, sabemos bem o valor da democracia, porque, sempre que falta democracia, nós somos uma das primeiras parcelas da população a sofrer com esta ausência. Por isso, resolvemos iniciar o Palácio Aberto por um tema tão envolvente e necessário. Hoje queremos estabelecer uma conversa entre o passado e o presente, um diálogo entre aquilo que aprendemos com a nossa experiência histórica e aquilo que projetamos para o futuro”, afirmou a secretária de Comunicação, Tânia Moreira.

No formato de um programa de televisão, a secretária abriu a programação, o governador cumpriu o papel de mediador, os jornalistas convidados atuaram como debatedores e outros profissionais da comunicação, diretores de veículos e representantes de entidades do setor acompanharam a partir de uma plateia restrita, com distanciamento e protocolos sanitários. Tudo foi transmitido ao vivo pelas redes sociais a partir do histórico Salão Negrinho do Pastoreio.

“Neste Palácio Aberto, o que a gente quer é poder ter, neste centenário Palácio Piratini, um espaço que, além de celebrar sua beleza arquitetônica, posso transformá-lo efetivamente num espaço de bons debates e que se abra para os temas que mais estão presentes na sociedade. Pretendemos chamar grupos da sociedade para debater outros temas que circulam, para que o governo tenha as interferências daquilo que a sociedade está pensando, como está pensando e, assim, possa estar mais próximo e conectado com o sentimento das ruas”, disse Leite.

Traçando um paralelo entre o que ocorreu em 1961 no país e o cenário atual, Leite falou sobre a importância de discutir e manter no foco de todos o papel da democracia.

“Todos os espaços de contestação estão constantemente sob ataque nos tempos atuais. Ataca-se a imprensa, ataca-se o Parlamento, ataca-se o Judiciário, ataca-se nas redes sociais. E, diante da perspectiva de contestação nas urnas, ataca-se as próprias urnas, então vivemos tempos muito estranhos nesse Brasil, e esse debate sobre a democracia, inspirado na Legalidade, é muito importante para a sociedade, que deve proteger esse regime democrático”, pontuou o governador.

“A democracia não é um objeto material, não é algo físico, tangível, mas a gente pode sentir  a democracia. Ela pulsa, ela vibra, ela se movimenta, mas ela também sofre. Em um certo sentido, democracia também é um bem público e precisamos trabalhar por ela, não contra ela, por isso escolhemos o tema como foco desta primeira edição do Palácio Aberto, para valorizar sua essência e pensar sobre o papel que cabe a cada um de nós nesta luta pela democracia”, explicou Leite.

Para contribuir com o debate proposto pelo governo, com suas experiências, testemunhos e percepções, participaram os jornalistas:

Carlos Bastos

Em 1961, Carlos Bastos acompanhou a Legalidade como jornalista e como militante. Ele trabalhava no jornal Última Hora, em Porto Alegre. Passou pelas principais emissoras e jornais de Porto Alegre. Foi secretário de Comunicação do governo Alceu Collares.

“A democracia brasileira está ameaçada, e a prova disso é a maneira que foi assinalada os 60 anos da Legalidade. Nos anos cheios, nos 40 anos, nos 50 anos, não houve tanta manifestação nos veículos de comunicação, nas redes sociais, como neste ano. Não sei se porque eu sou um dos poucos sobreviventes, nunca fui tão solicitado como agora. Mas é por causa do momento que o país vive. E isso é mais uma demonstração da politização do povo gaúcho. A politização do povo gaúcho foi demonstrada no episódio da Legalidade. Claro que foi importante o discurso forte e emocional do governador Leonel Brizola. Mas quem pesou forte também no movimento foi aquela multidão de gaúchos que veio para a Praça da Matriz.”

Dione Kuhn

Editora-chefe de Zero Hora. Autora da série de reportagens O baú de Brizola, que revelou o conteúdo dos arquivos que o ex-governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro Leonel Brizola reuniu durante mais de 60 anos de vida política. Escreveu também o livro Brizola: da Legalidade ao exílio (RBS Publicações, 2004).

“Eu nunca senti tanto orgulho da minha profissão como estou sentindo agora, mesmo em um momento em que estamos sendo atacados a toda hora, com bordoada por todos os lados. Parece que existe um mundo paralelo, subterrâneo, com inverdades, mentiras. Isso nos preocupa porque as pessoas, algumas por má fé e outras por ingenuidade, acreditam nisso. Então nunca ficou tão claro para mim quanto agora, em mais de 30 anos de profissão, qual o meu papel como jornalista. É nosso papel mostrar o passado, mostrar a verdade, e vamos em frente.”

Guilherme Macalossi

Jornalista da rádio Bandeirantes de Porto Alegre, comanda o programa “Bastidores do Poder” e integra a equipe do “Jornal Gente”.

“O papel da imprensa é desde sempre exercer a sua prerrogativa de fiscalização social, desde fora das instâncias de poder. Mais do que nunca, tivemos acesso a meios de criticar, apontar falhas e pressionar. Tem o lado bom e o lado ruim, e infelizmente o lado ruim tem predominado. É necessário achar uma maneira de contornar isso dentro dos círculos democráticos, da legislação e do debate público. O problema das fake news está presente, inclusive gerando mortes. As fake news submetem a população a informações desencontradas e inverdades que colocam vidas em risco, porque não tratam só de política, mas falam também de saúde pública. Quando temos pessoas no alto escalão de poder difundido coisas que estavam no submundo da internet, como verdades criadas para alegrar setores fanatizados, isso difundido através dos novos meios de comunicação se torna um problema crescente. Os meios de comunicação clássicos precisam se adaptar a essa nova realidade. Hoje eles se tornaram alvos, acusados de conspirações que nunca são fundadas na realidade, mas em distorções de aspecto ideológico.”

Ricardo Chaves (Kadão)

Fotógrafo e jornalista. Trabalhou em Zero Hora (onde ainda assina a coluna Almanaque Gaúcho), Jornal do Brasil, Veja, Placar, Quatro Rodas, IstoÉ, O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde. Seu pai, Hamilton Chaves, ocupou o cargo de chefe de imprensa no Piratini no período do movimento da Legalidade.

[Kadão, mais do que lembrar 1961, queria contar de uma visita que fez a Brizola em 1974, durante o exílio no Uruguai. Ao final do dia, o ex-governador ofereceu uma carona até Montevidéu para o fotógrafo e o jornalista Luiz Cláudio Cunha em uma Kombi velha. O trecho a seguir é a lembrança de Kadão do que Brizola disse ao entardecer, quase chegando ao destino.]

“Eu disse que tudo o que conversamos não era para publicar, mas gostaria de dar duas declarações que vocês podem publicar e atribuir a mim. Apenas duas frases. Primeira coisa que eu queria dizer é que eu fui derrotado militarmente, e não politicamente. A segunda coisa é que eu vou voltar.”

Zeca Brito

Cineasta premiado pelo filme Legalidade, de 2019, dirigido e roteirizado por ele. O longa-metragem conta, misturando realidade e ficção, 14 dias de mobilização da Legalidade. É o atual diretor do Instituto Estadual de Cinema (Iecine).

“Em 1961, quando houve o contragolpe liderado por um civil, ele [Brizola] contestava a ideia de hierarquia e de disciplina, quando a ordem superior não partia da razão. Deve existir disciplina e hierarquia quando quem comanda deixa de lado a razão? Em 1961 houve uma ordem superior para que o palácio fosse bombardeado. Se Brizola não interceptasse essa ordem, o bombardeio iria acontecer. Não estaríamos nesta sala, estes painéis de Aldo locatelli teriam vindo abaixo, como aconteceu no Chile com Salvador Allende. O que aconteceu em 1961 era só uma faísca do que iria explodir na América Latina como um todo logo depois.  Estamos relembrando estes fatos, mas não temos distanciamento histórico para falar do hoje. Não sabemos se vamos viver um golpe ou sair de um golpe no ano que vem, e o que espero é que a gente saia dele.”

Além disso, a advogada e apresentadora de TV Gabriela Prioli, que ficou conhecida nacionalmente por ter integrado o quadro O grande debate, do telejornal CNN Novo Dia, e o jornalista, escritor e tradutor Eduardo Bueno, autor de uma obra historiográfica a respeito do Brasil, participaram do primeiro Palácio Aberto enviando vídeos, pois não puderam estar presentes.

“Obrigado aos jornalistas e a todos que participaram deste momento importante. Fica aqui este nosso recado, neste momento em que celebramos o Palácio Aberto e os 60 da Legalidade, de que o melhor modo de nós celebrarmos a independência (do Brasil) é sendo efetivamente independentes neste país de tempos estranhos, mas que, por tudo que foi dito aqui, me deixa seguro de que no presente já temos um nível de consciência e maturidade institucional construídos na nossa democracia, por mais incipiente que ela seja. A nossa democracia é mais forte e certamente superará os seus desafios do presente, mas estejamos atentos e vigilante”, concluiu o governador.

Por fim, foi entregue a Medalha do Gaúcho em homenagem à Associação Rio-Grandense de Imprensa (ARI) e  a jornalistas, operadores, técnicos, fotógrafos, cinegrafistas, taquígrafos e locutores que atuaram na cobertura da Legalidade ou que se envolveram diretamente no episódio. Receberam a medalha:

  • Antônio Goulart
  • Carlos Bastos
  • Erica Kramer
  • Flávio Tavares
  • Ivete Brandalise
  • Ivo Czamanski
  • Hamilton Chaves, in memoriam, representado por seu filho Ricardo Chaves
  • Associação Riograndense de Imprensa (ARI), representada pelo seu presidente, José Nunes

SECOM RS

Foto: Gustavo Mansur/Palácio Piratini

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