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Desafiando o sentido da vida

Nos últimos anos, o Brasil nos colocou em situações de tensão extrema e descontentamento profundo. Tudo ao redor parecia fora dos eixos, bagunçado, negligenciado. A pandemia do Covid-19 agravou ainda mais esta virada em nossa percepção, tornando a existência um martírio profundo na busca interminável pelo sucesso do próximo salário. Ficamos no meio de uma guerra que não é nossa, sem resultados efetivos, lamentando tudo que gostaríamos de ver diferente e não há horizonte para tanto. Se você leu até aqui e concordou, o resto de texto é pra você. Caso não, aproveite os minutos que usaria para a leitura e beba um litro de água, de gole em gole.

Como nos é dito, o sentido da vida é criado pela cultura. Seu trabalho, os amores, as lutas e os ódios dão o norte para a caminhada rumo à vitória ou à desconcertante dissipação da consciência na atmosfera. Quando estamos convictos demais, tudo faz sentido no dia a dia, até os entraves que nos impedem de avançar. E não apenas o caminho, mas as metas, mesmo as mais improváveis (ter fama, riqueza e beleza em uma mesma vida) brilham como diamante em nossa mente.

Mas daí, em algum momento de nossos anos, as fundações de nosso construto de sentido balançam frente ao próximo passo, e uma luta agressiva para impedir que o prédio desabe começa. É um tal de junta tijolo, joga uma argamassa, passa um arame, tudo entre lágrimas e crises de ansiedade. E se em vez de lutar para reconstruir tudo você termina por aceitar a derrubada e muda de terreno, desafiando o sentido de sua própria vida?

Em sua volta, um sistema de valores foi desenvolvido à revelia de sua vontade. Você nasce para amar alguém, mas nada impede que você ame alguéns. Você nasceu para ser útil, mas seu valor não está unicamente na utilidade. O sofrimento da derrubada está mais para a dor de não cumprir com o esperado pelo status quo do que sua necessidade de fazer/ter algo/alguém. Quem disse que você precisa voltar para aquele amor? Quem disse que você não pode mudar de carreira, escrever um livro, pintar um quadro, gravar um disco? Ou até amar mais de uma pessoa, mudar de amigos, mudar de cabelo, de corpo. Quem disse? O que impede?

Ao longo dos anos, diversas pessoas, por amor ou outras intenções, montaram um mundo de sentido ao nosso redor, em diversos níveis, seja familiar, profissional, político. Porém, ao analisarmos os resultados, pouco ou quase nada foi satisfatório. Estamos melhores? Temos mais saúde? Vivemos com mais prazer? Veja bem, ainda trabalhamos quarenta e quatro horas semanais pelo mesmo salário. Que fruição de vida temos? Quanto amor fazemos? Não apenas o desafio individual de mudar de vida nos encara, mas também o desafio coletivo de criar um sistema que promova o bem viver. Nesse estágio já sentimos Síndrome de Thoreau, um sentimento de não pertencer a este mundo. Chamam de imaturidade. Eu chamo de percepção aguda da realidade.

O que se faz com essa percepção, já que o dia a dia é uma repetição exata do que viveram nossos pais e nossos avós, e os jovens de hoje parecem amar o sistema exatamente como ele é? Eu chutaria uma revolta a lá francesa, porém não tenho mentalidade pra tanto. Por isso, em meu mundinho, dou-me o luxo de criar. Desafio o sentido de tudo criando absurdos literários. Voto naqueles que me parecem mais revolucionários, que parecem enxergar o mundo de cabeça para baixo. Ouço Rogério Skylab. E pintei o cabelo de azul aos trinta e nove. Me pareceu bem adequado.

Saiba de si. O que você quer mudar que pode incentivar os outros a ver o mundo como ele é? Nesse ponto, me parece ser uma vida fora da caixa uma boa maneira de criar efeito. Chamemos de coringadas, para efeito juvenil

Em quatro de setembro de quatrocentos e setenta e seis, caiu o Império Romano, o marco inicial da civilização ocidental. Em dois mil e vinte e dois, nos sentimos ainda piores do que as gerações anteriores. Como não sentir uma vontade imensa de fazer tudo ao contrário? Talvez hoje, quem sabe amanhã, um dia desses o coração vai apertar pelo que não fizemos. A culpa verdadeira será do sistema (ou o que o valha). A culpa narrativa será nossa, quando pensarmos: deveria ter feito bem diferente. Isso passa pelo voto, pela escolha de carreira, pela seleção social de afetos, por tudo que… monta um sentido no para a porra da vida.

Vida longa aos vida loca.

Rody Cáceres

Professor e Escritor dos livros: “A Barata Pacifista” e “O Curandeiro“.

Siga no Instagram: @rodycaceresescritor

Foto: Pixabay

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