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Camiseta de banda

Disse minha esposa que eu estava na crise dos quarenta. Sustentei que era um problema de estilo. Não me dispus a tirar a teima com amigos. Estou convencido de mim. Certo ou errado, tanto faz.

Um dia desses abri meu guarda-roupa e dei de cara com uma cena aterrorizante: a quase totalidade das peças consistia de camisas polo, blusões gola V, camisas sociais e camisetas esportivas. Me perguntei quem morava naquela casa e usava aquelas roupas? A esposa riu. “Tu já é um adulto”, brincou. Concordei. Por minuto fiquei pensando sobre aquilo, olhando aquela moda tiozão de dar banda em shopping. As calças inteirinhas, os tênis de corrida e uma jaqueta com um cavalo crioulo nas costas. Socorro!

Entrei num surto de consumismo. Precisava de camisetas novas. Das maravilhas da internet, a possibilidade de escolher roupas sem passar duas horas dentro da Renner ou da Pompeia é a segunda maior. Quinze minutos e eu já tinha diversos links de estampas invocadas. Ramones, Bad Religion, Exploited, Sex Pistols, Darkthrone, Mayhem… o lance é causar. Dispensei as bandas dos estabelecidos: Queen, Pink Floyd, AC/DC, Legião Urbana… como disse, a intenção é causar espanto nos transeuntes, e não os mimar.

Mandei os links para a esposa dar uma checada. É sempre bom quando se é casado. Evita a treta. “É a crise dos quarenta”, disse na lata e começou a navegar nos sites para ver outras opções para ela.

Mas olha, essa frase me bateu profundamente! Foi pesada de tão realista. Porém, como sou hábil em dar voltas na razão com minhas emoções, arquitetei um bom argumento furado e achei adequado escrever sobre o tema na falta de uma profundidade filosófica que me destaque na crônica.

Crise dos quarenta é o escambal!

Pronto! Era isso.

Brincadeira.

Depois de uma certa idade, nossos critérios estão bem formados, bem como os gostos, as amizades e as metas. No momento em que me deparei com um guarda-roupa cheio de tentativas bem sucedidas de me adaptar ao modelo estético do sistema entendi o quão distante de mim estava. Não que eu viva uma luta constante por autoafirmação. Pelo contrário, me esvazio demais de minhas opiniões para bem viver com todos. Mas eu já conto quarenta e um anos. A crise é de expressão e de estética. Chegar a essa idade, que na medida brasileira já é mais da metade da vivência, faz a gente pensar sobre o que se tornou e como vai prosseguir a partir daqui.

Há quem sinta saudade da adolescência. Todo mundo sente. Há quem se perca nos sentimentos e saia pela vida buscando as curtições de antes. Há quem se acomode numa velhice precoce e se jogue na vida. E há quem queira comprar umas camisetas de bandas para mostrar ao mundo, mais uma vez, que não concorda com muita coisa e pretende deixar isso bem claro enquanto ainda está entre os vivos.

Dizem por aí que o fim no horizonte é o que causa o sofrimento nessa idade. Mas essa é óbvia demais para se considerar. Ninguém quer morrer. Como o Luiz Fernando Veríssimo, sou contra a morte. Me oponho ao morrer. Torço para o Google achar um jeito de me dar mais uns cinquenta anos depois do limite. Provável não ser possível para minha geração.

Por conta dessa falta de perspectiva, a correria aqui é grande. Gravar minhas músicas, escrever meus livros, ter com os amigos, amar a família. É tudo pra ontem. É tudo do meu jeito. Claro, no limite da idade do corpo. Porres homéricos, noites em claro e esforços intensos não cabem mais. Aprecie com moderação é o lema dos quarenta. Que essa moderação não vire atraso.

Nos próximos dez anos quero criar os títulos aos quais pretendo ser lembrando: já sou conhecido como escritor e professor, só me falta o músico. “Rockista” vai bem também. Quero ser lembrado como um bom pai, um marido amoroso, um amigo fiel e um professor afetuoso, para chegar aos cinquenta com o mais intenso senso de realização possível.

O começo de tudo vai no cartão de crédito. Quatro estampas: uma dos Ramones, do álbum “Too Tough to die”; outra dos Pistols – a rainha Isabel II com alfinete no nariz; o “smile” amarelo do Nirvana; e uma do Bad Religion – uma cruz com o sinal de “pare” sobre ela. A esposa achou esta última ofensiva. Eu também. Não sei se vou conseguir usar. Lá pelos meus trinta anos comprei uma da banda inglesa Venom, dois números abaixo do atual – tinha um diabo sorridente estampado bem grande no torso. Usei muito pouco. Batia uma vergonha. Vai ser o mesmo com a do Bad Religion.

Pensei em coturnos. Mas joelhos e lombar não reagem tão bem a esse tipo de calçado.

Talvez a crise estética tenha mais a ver com dieta do que com estampas.

O que importa é ter feito essa vida valer a pena!

Rody Cáceres

Professor e Escritor dos livros: “A Barata Pacifista” e “O Curandeiro“.

Siga no Instagram: @rodycaceresescritor

Foto: Pixabay

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