Biografias Ordinárias: Jack
Certa vez, houve um sujeito que perambulava pelas ruas e conhecia a cidade como as solas dos pés. Cada desnível de calçada, cada buraco no asfalto e cada reboco comido pela falta de manutenção de alguns moradores que apenas fingiam viver de aparências.
Todos o chamavam de Jack, porque ele chamava a todos assim. As crianças tinham medo e as senhoras também. Os homens debochavam e numa época pré-selfies, ninguém jamais o abraçou para sequer ganhar uma curtida ou fazer um meme.
Mas eu lembro bem dos seus olhos já cinzentados e os cabelos grisalhos. O cheiro da cachaça e a encarada de quando ele me parava na rua e gritava:
– “Hey, Jack! O que você está fazendo em um lugar como esse?” – Até a entonação de “versão brasileira, Herbert Richards”, ele fazia.
– “Estou indo às compras, Jack.” – Eu respondia, e ele apertava minha mão e desejava boa sorte.
Certo dia, o encontrei uma outra vez e seguimos nosso protocolo, até que ele o quebrou:
– “Você não tem medo de morrer, Jack?” – Ele olhou dentro dos meus olhos. Congelei por alguns instantes, respirei fundo e respondi:
– “Não. Não tenho.” – Apertamos as mãos trespassando a casca de tecidos e carne que nos separa dos nossos verdadeiros seres. Uma senhora fugiu temendo por sua vida e arrastou uma menininha para longe dali.
Ele sorriu e me desejou boa sorte, como sempre.
E eu nunca mais o vi.
Autor: Pedro Porciúncula/Inspira
Foto: Pixabay