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Até quando as balas “perdidas” vão atingir a população negra?

Recentemente, assisti a um episódio da 17° temporada da série norte-americana Grey’s Anatomy, onde dois médicos negros (personagens Richard Webber e Maggie Pierce), em determinada cena, debatem sobre a letalidade da pandemia do Covid-19, entre a população negra, na cidade de Seatle. Na cena em questão, os personagens questionam o fato de que os negros representam menos de 8% da população local e que, no entanto, abrangem mais de 50% das vítimas fatais do coronavírus na cidade. O diálogo entre os médicos estabelece uma crítica direta ao fato da população negra estadunidense se encontrar, de modo majoritário, na parcela populacional que está menos assistida e, pior ainda, mais propensa à exposição diária e contato com o vírus. Logo, se mais são expostos, mais se contaminam e o resultado desta conta aritmética não é algo difícil de se deduzir. Enfim, são eles os mais infectados e a partir deste diagnóstico, entendemos porque a morte, em razão da pandemia, tem um tom de pele definido: o preto.

Ao ver aquela cena que, por sinal, não é a primeira que estabelece esta crítica, fiquei pensando: e aqui no Brasil? Aqui, no sul? Como serão estes “números”? Por que não vemos/lemos nada sobre isto? Ou, ainda, será que a realidade é muito diferente aqui?

Enfim, tais questionamentos me levaram a sugerir, inclusive, a análise do tema a um aluno do Curso de Bacharelado em História (FURG), que se encontrava sem “ideia” do que pesquisar para apresentar no seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).

Mas, esta interrogação continua povoando meus pensamentos. Não pela “necessidade” de saber um dado estatístico, porém, em razão da profundidade do tema. E, infelizmente, esta estatística que atinge muito mais a população negra, não fica restrita somente a este ponto, tanto que no dia 08 de Junho, uma bala “perdida” – aqui, preciso enfatizar que, para mim, este termo é completamente equivocado/inadequado, haja vista que poderia ser substituído por uma bala certeira! Sim, porque no Brasil, estas balas ditas “perdidas” têm alvo certo: o corpo negro – ceifou a vida de duas pessoas ao mesmo tempo: o da mãe Kathlen Romeu, de 24 anos, e do seu bebê de 14 semanas; sim, ela estava grávida de seu primeiro filho, Zayon ou Maya. O assassinato de Kathlen, designer de interiores, ocorreu na comunidade do Lins, zona norte do Rio de Janeiro, por ocasião de uma ação da Polícia Militar, no local.

A pergunta que todos nós sabemos a resposta é: se a Kathlen fosse branca e residisse em outro local, teria tido o mesmo fim?

Nós sabemos que não!

Agora, a pergunta que fica sem resposta é: Até quando?

Até quando a população negra será a mais afetada pela pandemia do Covid-19? Até quando vamos ficar anestesiados vendo a dizimação atingir negros de um modo inexplicável? Até quando vamos fingir não entender que as ditas “balas perdidas” têm endereço certo? Até quando vamos propagar o mito da democracia racial no Brasil?

Até quando? Até quando??!

No Brasil, a abolição da escravatura, está longe de ser uma lei consumada e, infelizmente, aquele diálogo inicial, do seriado Grey’s Anatomy não é exclusividade dos Estados Unidos e, pior ainda, também está enraizado na sociedade brasileira.

Autora: Carmem Schiavon (FURG)

Foto: Pixabay

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