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Aquele amontoado de neurônios trolando você

Foi coisa de meses. Meu cérebro me dizia: não faz vestibular, isso não é pra ti, é coisa de rico e de gente com tempo livre. Arranjei uma namorada que me colocou na pressão de querer algo mais da vida. “Tu vais fazer vestibular ou não vamos ficar juntos”. Pesado, mas importante. Fiz a prova, passei, cursei e hoje sou professor.

Depois de cursar três anos, abandonei a universidade. Casei (com outra) e ela me sugeriu, enfaticamente: “se tu não terminar a universidade, nunca vamos melhorar de vida”. Fui lá e terminei. Melhorou um pouco mesmo.

Quando contava uns quinze anos, comecei aula de canto. Uma professora me disse, com todas as letras: “tua voz é muito escura pra cantar”. Saí de lá convencido de minha incapacidade para colocar em notas musicais meus pensamentos. Vinte e sete anos depois, certo de que não tinha mais saída além de grava meus sons, e depois de fazer mais de ano de exercícios vocais, gravei algumas músicas e ficaram boas – minha voz não soava tão ruim assim. Um milagre, pensei, até entender algo crítico e assustador: meu cérebro não me deixava avançar.

Tendo a ser preguiçoso e medroso, detesto me incomodar e fujo de tudo de mais complicado na vida. Lendo a sentença anterior parece até bom pensar assim. Porém, quando preciso avançar em algo importante, muito desejado por mim, as armadilhas de meu pensamento não me deixem dar mais do que um ou dois passos.

Aconteceu na música, na literatura e na vida profissional. E na pessoal também, óbvio: fugi de um grande amor na juventude. Tive sorte de reencontrá-lo. Mas e quem não dispõe de uma cobertura divina como eu, faz o que?

Procuramos saber como nossas pernas reagem a agachamentos com muito peso, como nosso sexo pode causar grandes impressões, mas nunca atentamos a como o cérebro recebe, interpreta e reage aos estímulos da vida comum.

Conheço pessoas incapazes de focar em estímulos intelectuais, ou seja, não avançam nas complexidades da vida.

Outras, uma grande maioria, nunca vai sair da armadilha dos prazeres gastronômicos e encarar uma dieta para cuidado da saúde. É o cérebro em busca de prazer e satisfação imediata. É o que nos faz perder horas nas redes sociais. É também o que nos impede de avançar em certas áreas da vida.

Talvez não sejam necessários psicanalistas ou neurologistas para entender a si mesmo. Todo mundo sabe onde está pecando quanto às metas pessoais. Agora mesmo, depois de lamuriar em diários e ficar inativo por meses, consegui escrever o texto que você lê. O motivo da demora? A preguiça de cérebro de dar um pouco mais pelo que amo.

Todos temos lugares para chegar. Falta dinheiro, falta cenário, faltam parecerias. E ainda tem o cérebro cavando buracos invisíveis como armadilhas vietcongues. Muitas derrotas não são apenas culpa do contexto, mas também de nosso querido, amado, idolatrado e traiçoeiro passageiro. Não que a gente possa vencê-lo. Talvez seja impossível.

Faça acordos, então. Uma tarefa por um momento de hedonismos glorioso. Discipline-o aos poucos. Trate-o como uma criança nos primeiros anos de escola. Só não o deixo encerrar seus sonhos em preguiças friamente calculadas.

Terminada esta escrita, vou comer algo que gosto ou jogar uma fase, só uma, de Doom, para deixar o moço faceiro.

Puxa, tem a correção do texto ainda. Que tal um brigadeiro?

Rody Cáceres

Professor e Escritor dos livros: “A Barata Pacifista” e “O Curandeiro“.

Siga no Instagram: @rodycaceresescritor

Foto: Pixabay

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