Inspira

A Intrusa

Lembro como se fosse ontem da maldita intrusa. Da correria, do cheiro da noite, do desespero tolo e urgente que tomava meu coraçãozinho infantil. Cascuda, voadora e petulante: uma barata tão grande que aos meus olhos lembrava mais um monstro de filme de terror. Não, amigo, peço desculpas, mas hoje não teremos reflexões bonitas, não.  Problemas práticos merecem tanta atenção quanto a metafísica que serve de matéria-prima de meu ofício. E a metafísica daquele odioso inseto ocupava a sala de estar inteirinha, por mais que a bandida tivesse tratado de escalar o canto da prateleira e por lá permanecer.

O detestável da barata está na sua habilidade de me deixar completamente sem reação. Olho para a barata, a barata me olha e eu desvio o olhar. “Tu és algumas centenas de vezes maior do que ela, Valentina”, mas do lado da barata eu viro uma joaninha: minúscula e com cores vibrantes demais para me esconder (ou seria esse meu modo de ser em toda e qualquer situação?). A joaninha, pelo menos, pode voar. A barata também. A Valentina de oito anos, como não sabia voar, se escondia sob a cama.

Devidamente protegida, ouvi a comemoração dos pais no andar de baixo. Batalha vencida, me senti levemente ridícula, em meu pijama de nuvens azul, abraçada ao cavalinho de pelúcia, escondida debaixo do estrado. Assim como fiz com os medos mais tolos que me assombraram ao longo dos anos, prometi ali, um dia, trucidar a intrusa com as duas mãos.

Autora: Valentina Pinheiro/Inspira

Foto: Pixabay

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