Egressa e professora de Artes Visuais vencem o Açorianos de Artes Plásticas
Projeto Gilete foi premiado na categoria Destaque Ações de Educação. Evento ocorreu no sábado à noite
A egressa do curso de Artes Visuais-Bacharelado da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Gabi Assusção, e a professora do curso, Janice Martins Appel, venceram o 18º Prêmio Açorianos de Artes Plásticas de Porto Alegre na categoria “Destaque Ações de Educação”, com o projeto Gilete. A cerimônia de entrega do Prêmio Açorianos, com a revelação dos premiados, ocorreu no sábado, 19, à noite, no Teatro Renascença, em Porto Alegre.
De autoria de Gabi, com curadoria de Janice, o projeto realizou ação educativa baseada em uma proposta contra a transfobia e o racismo nas escolas, através da arte. A produção do projeto conta com a participação de Cissa Lunar, também egressa do curso de Artes Visuais da FURG, e responsável pelas fotografias da exposição, que antecedeu a ação educativa.
Os vídeos da exposição foram realizados por outra egressa do curso, Ana Clara Oliveira. Também egressos do curso, Laura Theodosio foi responsável pelos registros fotográficos da ação educativa, Afrokaliptico (Paulo Ferreira) atuou como assistente de fotografia e Albert Teixeira atuou como assistente de redes sociais. Marcelo Chardosim (Ufrgs) foi responsável pela montagem da exposição. A equipe é baseada na inclusão de pessoas trans e travestis.
“Esse prêmio é de muitas”, declarou Gabi ao anunciar em suas redes sociais a conquista. A professora Janice destacou: “Nossos agradecimentos aos que tornaram e tornam possível este acontecimento: arte que TRANSforma ação em educação”.
Sobre o momento do anúncio, Gabi afirma à reportagem: “Nossa primeira expectativa, minha, da curadora e da produtora, era de que o projeto estivesse entre os indicados. A curadora sempre acreditou no projeto, mas a gente foi trabalhando em etapas, primeiro acreditando na indicação. Construímos um material e trabalhamos muito para termos o reconhecimento, a partir da indicação, do que a gente vinha desenvolvendo e trabalhando. É um processo, em que o prêmio é o resultado”.
A artista conta que tudo começou na graduação, nas aulas de pintura, quando conheceu a professora Janice e foi apresentada por ela ao trabalho da multiartista gaúcha Valéria Bacellos. “O projeto surge a partir da obra da Valéria, Transmutação, que está no acervo do Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul (MACRS), e Gilete faz esse diálogo com a obra”, explica.
A artista também buscou inspiração nos registros, ações educativas e vídeos antigos de Valéria. “Em que fomos vendo o trabalho com a performance e fortalecendo a proposta de ação educativa, pensando há quanto tempo a Valéria já tinha um impacto com seu trabalho na performance, voltado para crianças”, completa.
Para a professora Janice, o prêmio trata-se de uma grande vitória: “A sensação no momento de entrega foi de muita alegria, de reconhecimento e de responsabilidade, porque esse prêmio em Ações Educativas é muito importante para pessoas como nós, que somos da arte e circulamos pelo ambiente da educação, seja ele da universidade ou da escola. E também porque somos cidadãs do mundo e temos que cuidar umas das outras”.
Arte que encontra vidas
Descrito como “Arte que sai do museu e encontra vidas. Da galeria às Escolas, do acervo ao Caps”, o projeto Gilete é um desdobramento da pesquisa de Gabi, “TRANScritas: processos de criação de uma travesti”. As fotografias e vídeoarte apresentadas trazem um registro performático do cotidiano da retirada dos pelos faciais e materializam o processo de transição de gênero de Gabi, iniciado em 2016.
“As fotografias abordam processos de repetição, empoderamento travesti e intimidade. A lâmina de barbear, objeto associado ao masculino, é ressignificada nas obras, simbolizando a conexão com o feminino, relação entre corpo e objeto, processo de transição de gênero”, afirma Gabi, no perfil do projeto no Instagram.
“G.I.L.E.T.E” compõe o jogo de palavras “gata, inteligente, linda, esperta, trabalhadora, elite” e destaca o objeto presente na história de muitas mulheres trans e travestis. “Historicamente, as lâminas foram usadas como uma estratégia de resistência durante a ditadura civil militar brasileira nas décadas de 60 e 70 e seus reflexos de opressão policial na década de 80, em que as travestis se feriam para evitar a prisão, devido ao estigma da epidemia de HIV”, revela a artista, ao apresentar o projeto.
Gilete foi selecionado no edital Chamada Aberta do Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul (MACRS) e executado em parceria com o MACRS, o Instituto Estadual de Artes Visuais (Ieavi) e a Escola Técnica Estadual Senador Ernesto Dornelles.
Processo formativo
O projeto foi realizado na cidade de Porto Alegre em 2024, junto ao MACRS, Ieavi, Fotogaleria Virgilio Calegari do Ieavi, na Casa de Cultura Mário Quintana, e escola Ernesto Dornelles. No mesmo ano, o projeto teve um desdobramento no Centro Cultural Vila Flores e Residência Jardim Aberto.
A organização da ação educativa envolveu a Equipe Educativo Mac-RS e a escola técnica estadual Senador Ernesto Dornelles. Nos registros da ação, atuaram a Equipe Educativo MAC-RS (vídeo) e Laura Theodosio (fotografia).
A professora Janice explica a intenção da curadoria: “Fazer uma articulação entre a linguagem da fotografia da Valéria Barcellos, que fica no acervo do MACRS, e a linguagem da perfomance da Gabi, Gilete, sendo a Valéria Barcellos uma protagonista, que iniciou essa visibilidade trans dentro das Artes Visuais no MACRS, do Ieavi. A curadoria faz a articulação entre todos esses pilares, dentro do edital: acervo, espaço expositivo, público e eixo educativo”
A professora Janice ressalta: “Gosto de pontuar que esse projeto nasce da sala de aula, na aula de Pintura II, quando a Gabi, que tem um excelente trabalho, me desafia, porque sempre estimulo muito os alunos a conquistas, e diz: ‘então eu quero que você seja a minha curadora e eu consiga uma exposição individual'”.
De acordo com a professora, depois dessa proposta inicial, ocorreu todo um processo formativo. “Porque o mercado, o sistema da arte, não é como um gênio da lâmpada ‘tenho os desejos, peço e eles se realizam’… Dos desejos se monta um trabalho, do trabalho se vai a um edital… Foi uma conquista, uma construção coletiva”, explica.
A professora enfatiza que o processo envolveu o lançamento do edital do Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul (MACRS), a submissão ao edital, um ano de planejamento pela equipe e a posterior execução do projeto, que contou com a participação de outros egressos do curso e colaboradores, além do apoio da Diretoria de Arte e Cultura (DAC/FURG). “É um reconhecimento muito lindo pelo que nasce na sala de aula, pode ir para a galeria e da galeria volta para a sala de aula”, finaliza.
Secom FURG
Foto: Afrokaliptico (Paulo Ferreira)
