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A nudez da mulher gorda

As pessoas sem imaginação estão sempre querendo que a arte sirva para alguma coisa.” PAULO LEMINSKI

Uma foto artística de uma mulher acima do peso despertou o interesse de muitas pessoas no Instagram. No perfil do fotógrafo, centenas de comentários pesados esmagavam uma minoria apreciadora daquela estética. Apontavam os críticos sobre os riscos de se estar acima do peso e desciam a lenha no fotógrafo e na modelo por mostrar um corpo gordo como passível de apreciação.

Como sou da paz, não me meti na conversa. Reservei minha opinião para meu espaço na internet. Mas vou escrever em vez de tirar a roupa.

O advento da arte realista sempre me cismou sobre a mentalidade dos “consumidores” de arte da internet. A meu ver, louvada a técnica dos artistas desse novo realismo, desenhos ultrarrealistas sempre me disseram que a capacidade de abstração anda em baixa por essas bandas de todo lugar. As pessoas tendem a se identificar mais com o imediato reconhecimento de uma forma, deixando de lado a contemplação profunda de um objeto artístico que careça de tempo e certa imaginação para apreciação. No universo das artes, em suas profundezas, essa capacidade permanece intacta. Mas onde ganha-se popularidade, a internet, a relação com arte é um pouco mais dura.

Quando dei de cara com os comentários gordofóbicos na foto, minha cisma parecia ter se confirmado: é difícil para a maioria separar o uso artístico do uso pragmático. Pois sim, sabemos que estar acima do peso não é saudável. Mas aquele não era o contexto. Ali, na foto, a mulher era uma forma de arte, e suas curvas acentuadas espocavam beleza e sensualidade na tela. Porém, os usuários não conseguiram perceber o contexto e separá-lo do uso pragmático do corpo.

Quase o mesmo acontece com a música. Não há forma de arte mais pragmática que a musica hoje. Grande parte da produção musical do mercado está presa ao “esperado” e aos instintos sexuais, sendo uma experiência monotonal ouvir música famosa, de mercado. E a dureza na apreciação exige do zeitgeist uma função para tanto a música quanto as artes plásticas. Devem pensar os comentarias da foto: “uma imagem da internet deve mostrar como um corpo saudável deve ser”. E os varredores de casa com trilha sonora aleatória do Youtube vão em paralelo: “Sou eclético. Sempre que limpo a casa, ouço todo tipo de música.”

Todos fazemos isso um pouco. Só precisamos separar o uso pragmático do artístico. Mas cada tempo com seu espírito. Em nosso caso, é tempo de falta de espírito, da extrema reprodução técnica de Walter Benjamin, seja para o bem ou para o mal, pois só conseguimos enxergar bem e mal mesmo.

E isso porque era uma mulher gorda. Imagina se fosse um homem de pênis encolhido? Talvez eu estivesse no psicólogo no horário da escrita desse texto.

Rody Cáceres

Professor e Escritor dos livros: “A Barata Pacifista” e “O Curandeiro“.

Siga no Instagram: @rodycaceresescritor

Foto: Pixabay

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